O ensino híbrido veio para ficar

É uma honra e um grande prazer poder prefaciar um livro. A honra de ser escolhido pelos autores para apadrinhar a obra e torná-la pública. O prazer de ver mais um livro sendo publicado e conhecimentos sendo disseminados. No entanto, neste caso, o prazer é ainda maior pela relevância da temática tratada, ou seja, os embasamentos teóricos, as experiências e as reflexões sobre o ensino híbrido.

Como será discutido ao longo do livro, o ensino híbrido é uma abordagem pedagógica que combina atividades presenciais e atividades realizadas por meio das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDICs). Existem diferentes propostas de como combinar essas atividades, porém, na essência, a estratégia consiste em colocar o foco do processo de aprendizagem no aluno e não mais na transmissão de informação que o professor tradicionalmente realiza. De acordo com essa abordagem, o conteúdo e as instruções sobre um determinado assunto curricular não são transmitidos pelo professor em sala de aula. O aluno estuda o material em diferentes situações e ambientes, e a sala de aula passa a ser o lugar de aprender ativamente, realizando atividades de resolução de problemas ou projeto, discussões, laboratórios, entre outros, com o apoio do professor e colaborativamente com os colegas.

O ensino híbrido segue uma tendência de mudança que ocorreu em praticamente todos os serviços e processos de produção de bens que incorporaram os recursos das tecnologias digitais. Nesse sentido, tem de ser entendido não como mais um modismo que cai de paraquedas na educação, mas como algo que veio para ficar.

Se traçarmos um paralelo com os demais segmentos da nossa sociedade, como o sistema bancário, o comércio, as empresas, o que está sendo proposto no ensino híbrido tem muitas características semelhantes aos procedimentos observados atualmente nos serviços e nos processos de produção.

No caso do sistema bancário, no início dos anos de 1980 o cliente de um banco era totalmente dependente e vinculado a determinada agência, que detinha todas as suas informações bancárias, como a ficha com sua assinatura, seus dados pessoais, etc. O cliente era reconhecido somente nessa agência. Se atravessasse a rua e fosse a outra agência do mesmo banco, seria totalmente desconhecido e essa agência teria poucas condições de ajudá-lo.

A informatização do sistema bancário permite que o cliente, por meio do cartão do banco, carregue consigo todas essas informações de modo que qualquer agência do banco possa reconhecê-lo. Além disso, permite que ele use o sistema 24 horas, e até mesmo realize as transações bancárias diretamente de sua casa. Ou seja, o banco tornou esse cliente independente de uma determina agência e passou a ele a responsabilidade de gerenciar suas atividades bancárias. O interessante é que isso não significou o desaparecimento das agências bancárias. Muito pelo contrário, elas continuam existindo, porém sua função é muito diferente. Elas existem para ajudar o cliente a resolver problemas, a tomar decisões sobre aplicações financeiras, etc.

O mesmo acontece com serviços como comércio, lojas, supermercados, restaurantes por quilo. Antigamente o freguês era servido. Hoje ele se serve e tem a responsabilidade do que coloca em seu prato ou em seu carrinho de compras.

Todas essas transformações fizeram com que o foco das atividades, que anteriormente estavam nos agentes que proviam esses serviços, passasse para os usuários. Além disso, as tecnologias permitiram que o cliente se desvinculasse de um determinado local para realizar suas atividades, como aconteceu com as agências bancárias.

Essas facilidades, gostemos ou não, vieram para ficar. É inimaginável pensar no sistema bancário como ele funcionava há 30 anos. O mesmo vale para praticamente todos os serviços e processos de produção que foram implantados até as primeiras décadas do século XXI.

Por sua vez, um dos poucos, se não o único serviço que ainda não passou por essas inovações, é a educação. O foco ainda está no professor, que detém a informação e “serve” seu aluno. A aprendizagem do aluno ainda está centrada na sala de aula. E a responsabilidade pela sua aprendizagem ainda é do professor.

O ensino híbrido é a tentativa de implantar na educação o que foi realizado com esses outros serviços e processos de produção. A responsabilidade da aprendizagem agora é do estudante, que assume uma postura mais participativa, resolvendo problemas, desenvolvendo projetos e, com isso, criando oportunidades para a construção de seu conhecimento. O professor tem a função de mediador, consultor do aprendiz. E a sala de aula passa a ser o local onde o aprendiz tem a presença do professor e dos colegas auxiliando-o na resolução de suas tarefas e na significação da informação, de modo que ele possa desenvolver as competências necessárias para viver na sociedade do conhecimento.

Essas mudanças nos processos educacionais proporcionadas pelo ensino híbrido são quase naturais, e há várias razões para que sejam extremamente benéficas para o processo de ensino e aprendizagem.

No ensino híbrido, o estudante tem contato com as informações antes de entrar em sala de aula. A concentração nas formas mais elevadas do trabalho cognitivo, ou seja, aplicação, análise, síntese, significação e avaliação desse conhecimento que o aluno construiu ocorrem em sala de aula, onde ele tem o apoio de seus pares e do professor. O fato de o estudante ter contato com o material instrucional antes de adentrar a sala de aula apresenta diversos pontos positivos.

Primeiro, o aluno pode trabalhar com o material no seu ritmo e tentar desenvolver o máximo de compreensão possível. Os vídeos gravados têm sido um dos recursos mais utilizados pelo fato de o aluno poder assisti-los quantas vezes for necessário e dedicar mais atenção aos conteúdos em que apresenta maior dificuldade. Além disso, se o material é navegável, com recursos tecnológicos como animação, simulação, laboratório virtual, entre outros, ele pode aprofundar ainda mais seus conhecimentos.

Segundo, o estudante é incentivado a ser mais autônomo e a se preparar para a aula, realizando tarefas ou autoavaliações que, em geral, fazem parte das atividades on-line. Com isso, pode entender o que precisa ser mais bem trabalhado, identificar dúvidas que poderão ser esclarecidas em sala de aula e saber como aproveitar o momento presencial, com os colegas e com o professor.

Terceiro, o resultado da autoavaliação, que normalmente faz parte do material sendo trabalhado antes da sala de aula, é um bom indicador do nível de preparo do aluno. Esse resultado sinaliza para o professor os temas em que os estudantes apresentaram maior dificuldade e que devem ser trabalhados em sala de aula. Nesse sentido, o professor pode customizar as atividades presenciais segundo as necessidades dos aprendizes. O próprio estudante, de acordo com as deficiências observadas, pode identificar áreas nas quais precisa de ajuda. Essas dificuldades podem ser o ponto de partida para as atividades que o professor seleciona para trabalhar em sala de aula.

Quarto, se o estudante se preparou antes do encontro presencial, o tempo da aula pode ser dedicado ao aprofundamento da sua compreensão acerca do conhecimento construído, sendo possível recuperá-lo, aplicá-lo e, com isso, construir novos conhecimentos. De acordo com as teorias sobre aprendizagem, essa é uma importante fase desse processo, que, no ensino
tradicional, o aluno realiza após a aula e sem o apoio dos colegas e do professor. No ensino híbrido, esse apoio ocorre no momento em que o estudante mais necessita, ou seja, just in time.

Finalmente, as atividades em sala de aula incentivam as trocas sociais entre colegas, como acontece em algumas estratégias usadas na implantação do ensino híbrido. Essa colaboração entre alunos e a interação do aluno com o professor são aspectos fundamentais do processo de ensino e aprendizagem que a sala de aula tradicional não incentiva.

Outro conjunto de evidências para a implantação do ensino híbrido é proporcionado pelos estudos sobre a percepção e o desempenho dos estudantes que participam dessas experiências. Desde o ano 2000, quando os primeiros artigos relatando estudos nessa área foram publicados, os resultados sobre a avaliação do desempenho dos estudantes que participaram de experiências usando a abordagem do ensino híbrido têm sido muito positivos.

No entanto, nem tudo é um mar de rosas!

Como qualquer outra iniciativa inovadora, o ensino híbrido tem recebido críticas negativas. Alguns professores argumentam que, se já é difícil os alunos aprenderem por meio das exposições e apresentações no sistema tradicional, será ainda mais difícil que aprendam via atividades on-line ou assistindo a vídeos. Outros críticos também afirmam que o modelo é bastante dependente da tecnologia, o que pode criar um ambiente de aprendizagem desigual. Um aluno que acessa a informação de sua casa e dispõe de recursos tecnológicos estará em vantagem com relação àquele que não dispõe desses recursos. E o ponto considerado mais problemático é o risco de o aluno não se preparar antes da aula e, com isso, não ter condições de acompanhar o que acontece na sala de aula presencial.

Entretanto, a crítica que mais preocupa é a chance de banalização que pode ocorrer com essa nova abordagem. Por exemplo, o fato de o professor estar preparando vídeos para os alunos assistirem antes das aulas, na verdade, está condensando a aula em um único formato, mais curto e necessariamente menos detalhado do que seria possível com uma combinação de leituras de livros-texto. Nesse caso, o aluno nunca tem contato com materiais primários de autores especialistas na área, mas com o material que o professor processa e disponibiliza na forma de vídeos.

Outra preocupação é o interesse pelo barateamento do processo educacional. Está claro que ele é custoso e existem interesses para que mais alunos sejam atendidos com menor custo. O ensino híbrido pode ser visto como um meio de baratear o processo de ensino e aprendizagem. A lógica por trás é contratar “superprofessores” para produzir material de apoio, como gravar as aulas em vídeos e colocá-los à disposição dos alunos, que, assim, estariamassistindo a uma “superaula”. Nessas condições, como o aluno já foi bem instruído, a sala de aula pode contar com professores menos qualificados para simplesmente avaliar as tarefas previstas. Essa visão deturpada perverte exatamente o aspecto mais importante do ensino híbrido, que é o de promover a autonomia e a responsabilidade do aprendiz, de modo que ele tenha um contato mais profundo com o material de apoio e, em sala de aula, possa ser desafiado por um professor bem preparado que saiba criar condições para consolidar o processo de construção do conhecimento.

Fica claro que a implantação do ensino híbrido requer a boa formação do professor, a adequação do currículo, bem como das atividades curriculares e da dinâmica de sala de aula.

A chance de banalização é grande, como já aconteceu com inúmeras soluções implantadas no ensino tradicional, mas há esperança de que isso não aconteça com o ensino híbrido. Assim, torcemos para que essa proposta possa ser cada vez mais bem elaborada, evitando que atalhos sejam construí dos e propostos como se fossem inovadores.

Este livro é uma tentativa de mostrar como o ensino híbrido pode ser implementado e o que ele pode oferecer como proposta de mudança do ensino tradicional. Teorias, experiências e argumentos pedagógicos existem. Agora, é necessário colocar esses conhecimentos em prática e que os educadores possam entender que o ensino híbrido veio para ficar!

 

José Armando Valente
Livre Docente pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Professor Titular do Departamento de Multimeios, Mídia e Comunicação do Instituto de Artes da Unicamp Bacich.
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